terça-feira, 29 de junho de 2010

A saga do cemitério


Estamos em Sucupira, uma pequena cidade da Bahia, considerada ‘a pérola do Norte’. Famosa pela produção de azeite de dendê, por seus coronéis e os conseqüentes enfrentamentos entre eles. De um lado a rica família Medrado e do outro a imponente família Cajazeira. Nessas terras ainda existe espaço para o cruel matador Zeca Diabo.

Mas é na política que a cidade deixou marcas profundas “nos anais e menstruais” do Brasil. Em um momento histórico, por 79 votos de diferença, o novo e mais notável prefeito seria o emblemático coronel Odorico Paraguaçu – que só não ficou mais feliz com a vitória alcançada porque perdeu o primeiro voto para um jegue!

Odorico, possuidor do dom 'divino' da oratória adorava discursar, e utilizando-se de um “palavreado próprio” muito complexo, diga-se de passagem, com inúmeros neologismos e exageros tornou-se uma das figuras mais emblemáticas da teledramaturgia brasileira. Seu audacioso “projeto desenvolvimentista que tornaria Sucupira uma cidade de primeiro mundo”, como ele próprio dizia, estava fundamentado na construção de uma obra de infra-estrutura nunca vista na pacata cidadezinha. Era o fim do “humilhamento” dos defuntos de Sucupira que precisavam viajar léguas para receber serviços fúnebres – a nova administração construiria o primeiro cemitério municipal.

O cemitério e nenhum defunto

Para efetivar a grande promessa de sua campanha, Odorico Paraguaçu precisou enfrentar todo o furor da oposição que desejava construir, no mesmo local do cemitério um estádio de futebol, o “Sucupirão”. Mas Odorico, carregado de emoção, discursa ao povo e convence seus eleitores da necessidade de tal obra. E foi cortando gastos com a limpeza pública e tomando uma série de medidas ilógicas que o cemitério foi construido.

Mas Odorico, o bem-amado do povo resolve então saber o que pensam seus oposicionistas e se mostra muito mais inteligente do que os políticos americanos envolvidos no caso Watergate. Para espionar o povo ele instala secretamente um microfone no confessionário da Igreja, descobrindo todos os segredos dos moradores da cidade. E para barrar o que ele chamava de “planos oposicionistas e anti-desenvolvimentistas”, censura o jornal “A trombeta”.

Porém o plano foi descoberto e a confusão tomou conta da cidade. Muitos queriam impeachment, para o desespero dos aliados... Não demoraria muito e o prefeito já teria outro plano para atrair de volta a atenção e o coração do povo. Mas ele via seu sonho maior de inaugurar o cemitério municipal sem nenhuma solução imediata.


Tentando alavancar seu governo e alçar vôos para o desenvolvimento e o progresso, Odorico Paraguaçu chega a viajar com sua comitiva para Nova Iorque, onde propõe a mudança da sede da ONU para a morna e calma Sucupira.

Considerado como um dos maiores gênios da televisão brasileira, Dias Gomes foi o escritor da novela “O BEM-AMADO”, que foi ao ar no ano de 1973, em pleno período de ditadura militar. A cidade fictícia de Sucupira pode ser confundida com muitas outras, e da mesma maneira, a figura de Odorico Paraguaçu com heranças de um coronelismo arraigado, um tipo político demagogo e populista tão difundido em toda a América Latina.

Sucupira nos cinemas

A novela foi censurada pela ditadura, e teve muitos cortes decorrentes. De 1980 a 1984 “O BEM-AMADO” voltou a ser gravado no formato de seriado, e teve maior liberdade para ironizar e criticar os mandos e os desmandos militares – tudo isso carregado de um humor muito peculiar na obra de Dias Gomes, que também escreveu a novela “Roque Santeiro” (inicialmente censurada por completo, e que só pode ser filmada novamente anos mais tarde).


A boa notícia é que a cômica trajetória de Odorico Paraguaçu e seu cemitério será lançada nos cinemas ainda este ano. E os curiosos como eu podem ler a edição pocket de “O Bem-Amado” (uma adaptação literária lançada pela Editora Globo, que faz parte da série “Grandes Novelas”) - esse livro de leitura rápida narra a trama de uma maneira bem leve e prazerosa para quem deseja dar boas risadas das peripécias que só acontecem em Sucupira.
#Confira o trailer do filme:



Heranças colonialistas, paternalismo, populismo, mandos e desmandos - qualquer semelhança com políticos contemporâneos não é mera coincidência. Mesmo sabendo que a história foi escrita na década de 70, eu ainda consigo enxergar nitidamente sombras “desenvolvimentistas” de Odorico em várias Sucupiras espalhadas pelo país, ainda mais em ano eleitoral!

Frases de Odorico:


"Esta obra entrará para os anais e menstruais de Sucupira e do país!"

"É com a alma lavada e enxaguada que lhe recebo nesta humilde cidade."

"Vamos dar uma salva de palmas a esta figura trepidante e dinamitosa que foi o Seu Nonô"

"Isto deve ser obra da esquerda comunista, marronzista e badernenta (ao
se referir às maracutaias descobertas pelos vereadores de oposição à respeito de
sua administração)."

"Vamos deixar os entretantos e partirmos mais para os.... finalmentes!"

"Como dizia o poeta Castro Alves: 'Bendito aquele que derrama água, água encanada, e manda o povo tomar banho' (Isso dito durante a inauguração de uma bica em um vilarejo de Sucupira)"

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