domingo, 19 de abril de 2009

Presos no passado


Diante de dois personagens emblemáticos eu percebo que um dos maiores desafios da velhice é reconhecer que os tempos mudam, ainda que as lendas permaneçam.


O primeiro desses personagens é o xerife Bell vivido por Tommy Lee Jones no filme “Onde os fracos não tem vez”. O velho oeste já não é o mesmo e o xerife não consegue compreender que os costumes mudaram e os crimes também. Quando na década de 80 o tráfico de drogas toma proporções gigantescas na fronteira do México com os Estados Unidos e os crimes assumem um grau de complexidade muito alto, o xerife se torna apenas alguém que fomenta o mito de um assassino misterioso sem conseguir alcançá-lo.


O segundo personagem é Walt Kowalski, vivido por Clint Eastwood em “Gran Torino”. Um veterano de guerra que não reconhece mais o próprio país em que vive. Um bairro antes familiar, típico dos católicos americanos agora é um caldeirão de línguas, cheio de imigrantes, um verdadeiro gueto de ruas vazias. E é nesse lugar que o velho viúvo tem que enfrentar seus próprios preconceitos em relação ao presente para não sentir os efeitos da solidão.

Ambos os personagens estão perdidos em seus próprios lares. Viver meio século no mesmo lugar, moldando costumes e depois não compreender quem são em meio aos tempos contemporâneos é uma temática recorrente em ambos os filmes. Em uma cena de “Onde os fracos não tem vez” o xerife comenta com outro oficial a dificuldade de ver os jovens do Texas com os cabelos coloridos e costumes diferentes dos que foram disseminados como corretos.

O xerife Bell sempre chega atrasado diante de um assassino misterioso, tendo em si mesmo a frustração de não conseguir mais acompanhar a dinâmica dos acontecimentos que o rondam. Walt Kowalski possui uma grama aparada em seu jardim e uma bandeira americana hasteada, e tem que lutar contra si mesmo de uma maneira dura, ao perceber que tem mais coisas em comum com os imigrantes do que com os seus próprios filhos.

Diante do abatimento, cansaço e resignação esses dois personagens são a representação de uma geração americana conservadora, cheia de padrões e convenções. Uma geração que não tem mais vez diante da mutabilidade do mundo, e que por isso mesmo, sofre mais as conseqüências das transformações cada vez mais aceleradas.

É o Gran Torino da potente indústria automobilística americana e o velho oeste mítico que apresentam mudanças muito fortes. Não é uma questão de ser fracos (como o título “Onde os fracos não tem vez” sugere), mas sim da aplicação do título original que nos permite visualizar melhor esse panorama, afinal de contas, são personagens que representam o choque de gerações. Dois homens simples que não entendem a mudança dos tempos.

2 comentários:

  1. Nunca vi nenhum dos dois filmes, mas gostei da relação que você fez entre eles. Sem dúvidas, o choque de gerações e a discussão de preconceitos enraigados cutuca o american life style. Será que eles enfrentam uma crise tão e somente econômica ou será que os seus valores absorvidos pelo mundo começam a ser questionados também?
    Espero que sim.

    beijos!

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  2. é bem por aí mesmo. a crise economica atinge outros setores, até entao intocáveis da vida burguesa americana. mas esse panorama de desconstrução social é algo antigo, de décadas atrás... aliás, o ideal americano foi incorporado, ele nao pode ser genuino, partindo do principio de que é uma nação de imigrantes.

    que os preconceitos caiam por terra!

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