sábado, 7 de abril de 2012

Não mais como ontem

Todos sentados à mesa. Todos esperando ansiosamente para comer. Uma piada na sala, abrir a coca-cola, ver as folhas se movendo lá fora, pela copa. Vozes altas, televisores no mais alto volume.

Os almoços de domingo sempre regados a frango frito e churrasco - sempre fartos, sempre pesados. Pela tarde, poderia escolher para onde ir - casa de qual tia? Ligar para qual primo?

Pedir a benção, tomar o cafezinho, ler um capítulo de Dom Casmurro - aqueles que impregnaram em minha memória até os dias atuais. Mas pode-se fazer coisa ainda mais interessante. Entreter-se dos contos orais, as histórias ou estórias que rondam as vidas daqueles que se sentam nos sofás da sala. Cada um tem um ponto de vista diferente. 

Cada um conta sua história diante do sofrimento vivido. Quando os fatos reais são nossos, tendemos a olhar o passado através de certos ângulos, deformações, inclinações - versões, mas nunca mentiras. Diante do passado, muitas vezes não há mentira possível, nem ao menos verdade. Nos encontros dominicais em que o que havia passado era exposto, isso ia se tornando cada vez mais perceptível - talvez fosse meu primeiro caso de estudo da Comunicação.

No pacote da vida de cada um há frustrações, mudanças de rotas e adaptações ao que "se pôde ser". Nos domingos do interior, enquanto subo e desço a Antônio Carlos Paniago - avenida da pequena Mineiros - eu vejo que as tramas permanecem ali. As dores só aumentam, à medida que o relógio cruel resolve nos distanciar ainda mais do passado. É um processo lento, porém contínuo.

Nos domingos, eu gostava do barulho: gritos, risadas, muvuca, passos por todos os lados, raramente havia música... Pratos simples, meus pedaços de frango salvos no forno graças à perspicácia da minha avó que corria a salvá-los até que eu - adolescente impaciente - acordasse. Sobremesa.

Aquela cidade há pouco mais de 10 anos tinha limites geográficos, ao menos para mim. Eu tinha meus mapas, é claro, e sonhava com o dia em que desbravaria outros mares. Mas por hora, estava tudo dentro da mais pura normalidade. Não sei ouvia a respeito de grandes desafios, os que "iam" eram vistos como "os que nos abandonavam".

A teia era simples, era a família em sua mais básica classificação. Vou me repetir, eu sei, mas tinha o café - mais do que uma bebida, um ato social, xícaras e mais xícaras permeavam as conversas. Era como rememorar os escritos de Cora Coralina, talvez. 

Esse era um domingo qualquer. Além disso, a igreja - sim, sempre presente. No interior, poderia dar-se o luxo de escolher uma religião que melhor agrade - no nosso caso, o protestantismo. Todo domingo, pela noite, alguém ia ou vinha das reuniões musicais e litúrgicas, ou o gospel, como se diz na América.

Aquele cotidiano bom, aqueles dias simples e preguiçosos, aquelas pessoas com suas cargas históricas e contos - foi praticamente tudo embora. O dolorido é o hoje - é sentar-se à mesa, nesta data corrente do ano de dois mil e doze e perceber que as coisas se vão, as pessoas vão embora, as histórias cessam. 

Aquela cidade fortificada, da qual eu, adolescente, queria sair, tinha ruas seguras, tinha histórias vivas. Tinha texto e contexto, ou seja, tinha combustível para a minha curiosidade. 

Percebo que sou movido pelas ideias que me consomem - preciso tê-las para viver, para queimar. Não preciso de muito, não preciso de coisas diferentes das que tinha nos domingos típicos do interior. Percebi que mais do que querer outros espaços físicos, ter outros objetivos e partir - além disso estão aqueles domingos reunidos, com biscoito e café no final de tarde. 

Aqueles momentos contemplando o pôr-do-sol no imenso quintal enquanto nos preparávamos para irmos embora para nossos lares. Afinal de contas, a segunda está logo ali. 

O tempo passou e, de fato, eu já não posso mais ter aqueles domingos como outrora. Nem ao menos posso, à distância de milhas e milhas, imaginar que estão todos ao redor da mesa, tomando café e falando de trivialidades. "Tudo como ontem" é um erro. No final das contas, nota-se que eis diante dos meus olhos um ciclo a ser fechado - um momento para ser colocado no campo das lembranças. 

As coisas mudam muito rápido. Nada é como ontem. Aqui estou, mais uma vez, escrevendo sobre esse tema que me escraviza e me martiriza: o tempo. Aqui estou, onde cresci.

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