sábado, 30 de janeiro de 2010

Intermitência


Quase 6 da manhã - daqui a pouco volto para a realidade. Se já estava me acostumando com os ares da cidade natal, agora devo me desacostumar rapidamente enquanto enrolo de volta os quilômetros que me trouxeram até aqui. É tempo de travessia, de planos, de esperança... e neste exato momento: é tempo de "contemplar" o (enfadonho) mar de soja que se tornou o outrora cerrado do sudoeste goiano!

Enquanto eu volto pra Goiânia, posto 3 poemas importantes para mim neste início de ano. São escritos de um dos meus poetas favoritos... o grande Pablo Neruda!



Se não puderes ser um pinheiro, no topo de uma colina,
Sê um arbusto no vale mas sê
O melhor arbusto à margem do regato.
Sê um ramo, se não puderes ser uma árvore.
Se não puderes ser um ramo, sê um pouco de relva
E dá alegria a algum caminho.

Se não puderes ser uma estrada,
Sê apenas uma senda,
Se não puderes ser o Sol, sê uma estrela.
Não é pelo tamanho que terás êxito ou fracasso...
Mas sê o melhor no que quer que sejas.




Poema XV


Nós, os perecíveis, tocamos metais,
vento, margens do oceano, pedras,
sabendo que continuarão, imóveis ou ardentes,
e eu fui descobrindo, nomeando todas as coisas:
foi meu destino amar e despedir-me.




O Anjo da Guarda

Em minha casa, de menino, me disseram,
“Escuta. Há um anjo
que vai contigo e te defende:
um anjo da guarda”.

Eu cresci, dolorido, nos rincões.
E o pranto acumulado fui deixando
cair de gota em gota em minha escrita.

Adolescente fui, de perigo em perigo,
de noite a noite, com minha própria espada
defendendo meu pão e meu poema,
cortando o lugar da rua escura
que devia cruzar, armazenando
minha solitária força no vazio.

Quem não veio à minha porta para quebrar
alguma coisa?
Quem não me trouxe corrosiva lava?
Quem não levou uma pedra venenosa
à velocidade de minha existência?

O proprietário me expulsou iroso.
O elegante desdenhou meu rosto.

E de sua letrinha mexicana
ou de cinzentos silabários,
malévolos barbudos, mercadores
de rosas mortas, poetas
sem poesia, deslizaram tinta
contra minha combatente cabeleira.
Abriram poços de alma lamacenta
para que eu caísse entre seus dentes,
coroaram meu canto com facas,
mas não quis fugir, nem defender-me:
cantei, cantei enchendo-me de estrelas,
cantei sem que ninguém me defendesse,
exceto o azul aço de meu canto.

2 comentários:

  1. "Se já estava me acostumando com os ares da cidade natal, agora devo me desacostumar rapidamente..."
    Me identifiquei com este comentário ao sair do sul goiano e retornar para a realidade.
    A única diferença é que no lugar de soja só sê vê cana-de-açucar.
    =D

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