É estranho como seu rosto era familiar, talvez por alguma conexão que eu não consegui decifrar até o exato momento. Mesmo conhecendo-a de outros sonhos, me surpreendi a cada sorriso tímido que seus lábios carnudos exibiam. Me aproximei, e em meio ao barulho do trânsito perguntei a ela se era sempre assim... muitas pessoas em volta e ao mesmo tempo nenhuma.
- Sim, todos passam por você... São indiferentes, complementou acomodando sua bolsa em um canto. Charlotte estava agora olhando fixamente nos meus olhos buscando compreender o motivo pelo qual lhe dirigi aquela pergunta.
- Será que nos sentimos assim porque permanecemos parados enquanto todos continuam andando por ai?
- Essa cidade está em permanente expansão, exclamou ela apontando para todas as direções. Todos os dias pessoas novas chegam e outras partem. E talvez os que, por algum motivo, estão estagnados permaneçam mais perdidos do que aqueles que movimentam-se sem saber ao certo quais destinos seguir.
- Seria então este o motivo da minha solidão... a inércia diante das mudanças?
- Meu caro, uma vez alguém me disse que quanto mais nos conhecemos e mais sabemos o que desejamos, menos deixamos que a vida nos entristeça com seus percalços...
De longe ouvia-se uma canção suave e talvez eu tivesse me esquecido que se tratava de uma jovem frágil, cheia de questionamentos até mais fortes do que os meus...
- Se Tókio é a metáfora perfeita para os solitários, porque depois de tanto tempo ainda permanece vagando por essas avenidas?
Em meio a risos ela pega a bolsa que estava em cima de um banco, dando a entender que será a última resposta do dia. Permanece alguns segundos em silêncio, como se buscasse as palavras certas para por fim àquelas perguntas todas.
- Nessas esquinas todos são estranhos, e você pode experimentar o mais profundo silêncio em meio à profusão de barulho vindo de todas as partes. Antes eu queria fugir, mas percebi que o problema não era o espaço físico... entende?! (pausa) Não tenho medo da multidão, ela não te obriga a se preocupar com o outro, e talvez por isso mesmo, faz nascer relacionamentos belos como uma bolha... ilusórios... passageiros.
Ela já estava saindo quando eu gritei de longe: Porque são sempre passageiros?
- Porque a vida é passageira, respondeu ela sorrindo.
Eu não pude acompanhá-la por muito tempo com meus olhos. Logo ela desapareceria em meio à multidão. Talvez seu nome não seja Charlotte e aquele lugar em nada tenha haver com Tókio. Talvez fora um sonho sobre a brevidade de nossas vidas, que na verdade são meras ilusões. Ou talvez fora um presságio de que neste mundo moderno, no qual tudo está em constante trânsito, a solidão se torne uma dor permanente a qual nós acabamos nos adaptando.
De longe uma bela dama sussurrava uma canção em francês:
On me dit que nos vies ne valent pas grand-chose,
Elles passent en un instant comme fanent les roses,
On me dit que le temps qui glisse est un salaud,
Que de nos chagrins il s'en fait des manteaux...
Se eu fosse a Charlotte de "Lost in translation" teria te respondido: "Porque nós deixamos a vida passar..."
ResponderExcluirbeijo!
e talvez essa seja a resposta correta... afinal de contas, nós deixamos sim a vida passar!
ResponderExcluirNão sei.. Acho que a Charlote falava do sentimento de solidão que acompanha todo ser humano, independente da cidade onde ele está... Nascemos e morremos sós..
ResponderExcluirOs outros são companheiros de viagem :)