sábado, 23 de janeiro de 2010

Breve ilusão

Andava pelas frenéticas e turbulentas ruas do centro de Tókio. Era tudo muito colorido e de longe eu a enxerguei vindo na minha direção. Era Charlotte, com seu olhar tão perdido e muitas dúvidas na cabeça. Solitária, ela dava passos calmos tentando retirar do concreto alguma resposta que porventura necessitasse.

É estranho como seu rosto era familiar, talvez por alguma conexão que eu não consegui decifrar até o exato momento. Mesmo conhecendo-a de outros sonhos, me surpreendi a cada sorriso tímido que seus lábios carnudos exibiam. Me aproximei, e em meio ao barulho do trânsito perguntei a ela se era sempre assim... muitas pessoas em volta e ao mesmo tempo nenhuma.

- Sim, todos passam por você... São indiferentes, complementou acomodando sua bolsa em um canto. Charlotte estava agora olhando fixamente nos meus olhos buscando compreender o motivo pelo qual lhe dirigi aquela pergunta.

- Será que nos sentimos assim porque permanecemos parados enquanto todos continuam andando por ai?

- Essa cidade está em permanente expansão, exclamou ela apontando para todas as direções. Todos os dias pessoas novas chegam e outras partem. E talvez os que, por algum motivo, estão estagnados permaneçam mais perdidos do que aqueles que movimentam-se sem saber ao certo quais destinos seguir.

- Seria então este o motivo da minha solidão... a inércia diante das mudanças?

- Meu caro, uma vez alguém me disse que quanto mais nos conhecemos e mais sabemos o que desejamos, menos deixamos que a vida nos entristeça com seus percalços...

De longe ouvia-se uma canção suave e talvez eu tivesse me esquecido que se tratava de uma jovem frágil, cheia de questionamentos até mais fortes do que os meus...

- Se Tókio é a metáfora perfeita para os solitários, porque depois de tanto tempo ainda permanece vagando por essas avenidas?

Em meio a risos ela pega a bolsa que estava em cima de um banco, dando a entender que será a última resposta do dia. Permanece alguns segundos em silêncio, como se buscasse as palavras certas para por fim àquelas perguntas todas.

- Nessas esquinas todos são estranhos, e você pode experimentar o mais profundo silêncio em meio à profusão de barulho vindo de todas as partes. Antes eu queria fugir, mas percebi que o problema não era o espaço físico... entende?! (pausa) Não tenho medo da multidão, ela não te obriga a se preocupar com o outro, e talvez por isso mesmo, faz nascer relacionamentos belos como uma bolha... ilusórios... passageiros.

Ela já estava saindo quando eu gritei de longe: Porque são sempre passageiros?

- Porque a vida é passageira, respondeu ela sorrindo.

Eu não pude acompanhá-la por muito tempo com meus olhos. Logo ela desapareceria em meio à multidão. Talvez seu nome não seja Charlotte e aquele lugar em nada tenha haver com Tókio. Talvez fora um sonho sobre a brevidade de nossas vidas, que na verdade são meras ilusões. Ou talvez fora um presságio de que neste mundo moderno, no qual tudo está em constante trânsito, a solidão se torne uma dor permanente a qual nós acabamos nos adaptando.

De longe uma bela dama sussurrava uma canção em francês:
On me dit que nos vies ne valent pas grand-chose,
Elles passent en un instant comme fanent les roses,
On me dit que le temps qui glisse est un salaud,
Que de nos chagrins il s'en fait des manteaux...


3 comentários:

  1. Se eu fosse a Charlotte de "Lost in translation" teria te respondido: "Porque nós deixamos a vida passar..."

    beijo!

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  2. e talvez essa seja a resposta correta... afinal de contas, nós deixamos sim a vida passar!

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  3. Não sei.. Acho que a Charlote falava do sentimento de solidão que acompanha todo ser humano, independente da cidade onde ele está... Nascemos e morremos sós..
    Os outros são companheiros de viagem :)

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